No dia 15 de abril de 2021, em plena pandemia de Covid-19, a área de mata que envolve a tekoa Pindo Poty (bairro Lami, Porto Alegre) começou a ser invadida, desmatada e loteada ilegalmente. A aldeia encontra-se no local há décadas, e conta com um GT da Funai aberto desde 2008 para fins de identificação e delimitação da Terra Indígena. Em um par de dias, os invasores cercaram o terreno, construíram barracos de madeira e estenderam roupas em varais para simular uma ocupação de luta por moradia. A verdadeira finalidade, contudo, era expandir as invasões da Terra Indígena e consolidar novas posses desmatando a mata atlântica local, encurralando ainda mais a comunidade indígena, que é vista como obstáculo pela especulação imobiliária na zona sul de Porto Alegre.














































A invasão foi prontamente denunciada pelas lideranças locais e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que cobraram medidas urgentes das autoridades. Essas, contudo, não tomaram providências imediatas. Desse modo, a comunidade se articulou com outras aldeias da região metropolitana e com organizações como o CIMI, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Arpin Sul e a AEPIM. Em questão de dias, iniciou-se a campanha “Pindo Poty é Guarani”. Diversos caciques, xondaros, jovens, mulheres, anciãos e anciãs de aldeias próximas e distantes começaram a deslocar-se para a aldeia do Lami para defender o território de seus parentes e de seu povo. Uma semana após a invasão, organizou-se um grande ato na aldeia, convocando parentes, apoiadores, organizações, aliados e autoridades a participarem e denunciarem a invasão, a fim de pressionar as instituições a garantirem o direito indígena sobre seu território.
Lideranças e famílias inteiras de aldeias de Santa Catarina, de São Paulo e até mesmo do Espírito Santo deslocaram-se para o Lami na luta pela terra. Mais aliados também fortaleciam a mobilização, como a Frente Quilombola, membros do movimento negro e outros grupos de apoiadores. Os dias alternavam-se entre as rezas e fortalecimento espiritual guarani, as reuniões políticas de organização e mobilização, e mutirões de fortalecimento da comunidade guarani, como a reconstrução da cozinha comunitária e a instalação de uma cerca em toda área frontal da aldeia. Com recursos da mobilização e os braços dos xondaros de outras aldeias, a comunidade derrubou a antiga cozinha comunitária, cujas estruturas estavam comprometidas, e ergueu-se uma nova em um dia.
O CIMI, a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e a AEPIM estiveram presentes todos os dias durante a mobilização, angariando recursos, comunicando imprensa e instituições e apoiando logisticamente a articulação e mobilização das lideranças indígenas à frente do processo. A AEPIM ficou responsável pelo gerenciamento da campanha de financiamento da mobilização. Junto ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI), aos Amigos da Terra e outros parceiros, articulou a rede de doação de alimentos junto à Feira dos Agricultores Ecológicos (FAE) e a Feira Ecológica do Menino Deus, fundamentais para a sustentação da mobilização indígena, que durou semanas. Apoiadores da Resistência Popular (RP) também elaboraram artes e trouxeram material para serigrafia a fim de criar uma camiseta, que ajudou a sustentar a mobilização.
Após quase um mês de mobilização, e perante a imobilidade das autoridades, os guarani resolveram agir e tomar de volta seu território. Na madrugada do dia 30 de abril, após tardes e noites de rezas, cantorias e fortalecimento espiritual, lideranças e xondaro kuery derrubaram as cercas e os barracos de fachada, pondo fim à invasão ilegal de suas terras. Ainda que as casas estivessem desabitadas, iniciativas desse tipo costumam ser evitadas pelos guarani, que primam por formas não conflitivas de luta territorial. A situação, no entanto, havia chegado num limite, de modo que a consolidação da nova invasão poderia levar a um avanço descontrolado do esbulho territorial, desmatamento e loteamento criminoso dessa terra indígena.
Após muita pressão e insistência de lideranças indígenas o MPF compareceu presencialmente à aldeia. Uma ação foi impetrada na justiça, que finalmente concedeu, no dia 06 de maio, a reintegração de posse contra os invasores e o interdito proibitório a novas invasões da área indígena. A vitória foi celebrada pela comunidade e pelos parentes que viajaram longas distâncias e ficaram semanas longe de suas casas para defender essa terra do povo guarani.
Os últimos dias de mobilização foram uma combinação de celebração pela vitória, de alívio, mas também de vigília e apreensão, sob o risco de retorno e retaliação dos invasores. Aproveitou-se a presença de diversas lideranças para realizar uma reunião do Conselho de Caciques, uma vez que representantes de pelo menos trinta aldeias do Rio Grande do Sul encontravam-se na tekoa Pindo Poty.
Matéria Jornal da UFRGS:
Povo Mbya Guarani vive novas ameaças ao seu território